quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O coronel e o lobisomem

O coronel e o lobisomem – trecho para análise:

José Atanásio

“Num repente, relembrei estar em noite de lobisomem – era sexta-feira. (...)

Já um estirão era andado quando, numa roça de mandioca, adveio aquele figurão de cachorro, uma peça de vinte palmos de pêlo e raiva. (...)

Dei um pulo de cabrito e preparado estava para a guerra do lobisomem. Por descargo de consciência, do que nem carecia, chamei os santos de que sou devocioneiro:

- São Jorge, Santo Onofre, São José!

Em presença de tal apelação, mais brabento apareceu a peste. Ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azevedo Furtado. Dos olhos do lobisomem pingava labareda, em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente. Tanta chispa largava o penitente, que um caçador de paca, estando em distância de bom respeito, cuidou que o mato estivesse ardendo. Já nessa altura eu tinha pegado a segurança de uma figueira, no galho mais firme, aguardava a deliberação do lobisomem. Garrucha engatilhada, só pedia que o assombrado desse franquia de tiro. Sabidão, cheio de voltas e negaças, deu ele de fazer macaquices que nunca cuidei que um lobisomem pudesse fazer. Aquele par de brasas espiava aqui e lá na esperança de que eu pensasse ser uma súcia deles e não uma pessoa sozinha. O que o galhofista queria é que eu, coronel de ânimo desenfreado, fosse para o barro denegrir a farda e deslustrar a patente. Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau. No alto da figueira estava, no alto da figueira fiquei.”

(CARVALHO, José Cândido de. O coronel e o lobisomem; deixados do Ofício Superior da Guerra Nacional, Ponciano de Azevedo Furtado, natural da praça de Campos dos Goitacazes, 20, ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976, p.178-9.)

Memória da Narrativa

Dizem que lobisomem seria uma criatura lendária, um homem que, de quando em quando, transforma-se em lobo, ficando maior e mais forte que o canino e ávido por carne humana. A hipertricose (aumento da espessura do pêlo do corpo), uma doença rara, poderia ocasionar boa parte das visões de lobisomens (uma mistura de lobo e de homem) na idade média.

Há várias histórias em todo o mundo sobre essa fera da criptozoologia. Uma delas é a do Lobisomem em Campos dos Goitacazes, narrada por João Oliveira: “... na localidade de Baixa Grande, zona rural de Campos dos Goitacazes, RJ, um vigia da Usina Baixa Grande matou com um tiro certeiro um enorme animal que rondava a Usina. Com medo de que o animal ainda estivesse vivo, não se aproximou. Chamou um policial de plantão num posto policial próximo. Qual a sua surpresa, ao descobrir que o enorme animal nada mais era que um morador local, de 68 anos, um cidadão que há anos residia sozinho, um sujeito esquisito e de pouco conversa. Esse fato, além de verdadeiro, tem algo assustador: o policial afirma que, ao chegar no local, ainda viu as mãos do lobisomem voltar à forma natural humana. E mais, com vários depoimentos tomados no local, de pessoas que juravam haver visto por anos a presença de tal entidade, as autoridades arquivaram o caso, pois ficou comprovado que o vigia havia realmente matado um lobisomem."

José Cândido de Carvalho (1914-1989) – natural de Campos dos Goitacazes, no norte do Rio de Janeiro – é dono de um estilo absolutamente inconfundível ao retratar personagens e situações burlescas que nos levam ao riso solto, seguido de um certo impacto que nos faz refletir sobre nossa sociedade, nosso país. O coronel e o lobisomem, publicado em 1964, é tido pela crítica como uma das obras-primas do moderno romance brasileiro, a qual foi levada para as telas de cinema nos tempos recentes. Descontraído, José Cândido procura se expressar de forma clara e objetiva, sem perder o tom hilariante de uma boa prosa. Para que sua narrativa se fixe na idéia inconfundível de uma boa e interessante história, ele usa recursos expressivos, exigidos pela razão lógica (sintática), representados pela expressão gráfica da respiração na frase, das suspensões, dos movimentos da voz. Sua linguagem é simples, criativa (inventiva) e coloquial.

Possuidor de um forte poder de reavivar palavras e ressuscitar verbetes de expressão popular, a plástica de sua narrativa se torna agradável e dá novo sentido a palavras que parecem ser bizarras na oralidade cotidiana. Em O coronel e o lobisomem, Cândido narra um confronto de um militar com um exótico animal, que por crendice popular teria fincado pés nas paragens de sua terra natal. Ao descrever as peripécias do coronel Ponciano, como se quisesse fazer parte da história dele, José Cândido enaltece as bravatas do militar e o coloca na condição de destemido, porém, com desfecho hilariante. Isso porque o coronel nem sempre age de acordo com a preparação militar que diz haver recebido, mas foge de qualquer enfrentamento, com a impressão de ser estrategista e mais audacioso que a lendária besta.

Criação literária

Sua narrativa incomum chamou a atenção de grandes escritores. Veja, por exemplo, o comentário de Raquel de Queiroz sobre a obra de José Cândido de Carvalho:

“E tem mais: se a criação literária de JCC é importante, importantíssimo igualmente é o homem na sua linguagem. De tal jeito importante que não sei de ninguém, no momento, que renove o idioma como o renova ele. Vira e revira a língua, arrevesa as palavras, bota-lhes rabo e chifre de sufixos e prefixos, todos funcionando para uma complementação especial de sentidos, sendo, porém, que nenhuma provém de fonte erudita, ou não falada: nenhum é pedante ou difícil, tudo correntio, tudo gostoso, nascido de parto natural, diferente só para maior boniteza ou acuidade específica. No léxico de Zé Cândido não aparece uma palavra que não seja possível; se ela não havia até aqui, estava fazendo falta. No mais, o que ele faz principalmente é usar a palavra no sentido novo, ou imprevisto, ou desacostumado. Mas no cabo fica tudo tão bem encartadinho e num dizer tão fiel da idéia que se destina a exprimir, que a gente fica pensando por que é que já não se dizia aquilo assim, antes.”

É importante notar a relação apontada por Raquel entre rabo e chifre e prefixos e sufixos. Nesse simpático e descontraído texto de uma das mais brilhantes romancistas da engajada literatura brasileira dos anos 30, Raquel usa dos mesmos recursos estilísticos de JCC para mencionar os afixos gramaticais. Rabos e chifres são respectivas metáforas de sufixos e prefixos. O sufixo é comparado a um rabo por se agregar ao final de uma palavra; o prefixo, a um chifre, por anteceder ao radical de uma palavra.

Mas Raquel não pára por aí. Outra observação importante é que na visão dela as palavras de Zé Cândido não provêm de “fonte erudita ou não falada”. Diante de tal afirmação, sugere que tais verbetes provêm de fonte popular ou da tradição oral. Com isso, ela apresenta duas possibilidades de criação da palavra: uma ligada à forma, outra ligada ao contexto. Ao criar sentido novo para palavras antigas, JCC explora o uso incomum de certos verbetes. É nesse sentido que se pode afirmar que Cândido é um grande explorador de neologismos em sua obra. O texto é rico em neologismo porque explora a criação de uma palavra pelo acréscimo de rabo e chifre (sufixo e prefixo), pela junção de radicais ou de elemento de composição ou por seu uso com um sentido novo, ou imprevisto ou desacostumado, como enfatiza a romancista. É importante salientar que o acréscimo de afixos ou a junção de radicais trabalha com as formas das palavras; já o sentido novo depende do contexto em que a palavra é empregada.

Segundo Raquel de Queiroz, o resultado desse trabalho com a linguagem é muito bom, a tal ponto que ficamos pensando “por que é que já não se dizia aquilo assim, antes”. Essa sensação que o novo provoca nos leitores mais atentos é o que determina o verdadeiro valor do neologismo lingüístico. Para que isso faça sentido, a principal qualidade que um neologismo deve apresentar para atingir esse objetivo é a existência de um perfeito casamento entre a palavra e o que ela exprime. Ou seja, provocar a sensação da plena compreensão do assunto, ao fazer uso de palavras com um dizer tão fiel da idéia que se destina a exprimir. Diante do valor desses neologismos ficamos tão tentados a exercer o direito de empregá-los, que a própria Raquel de Queiroz, talvez envolvida pela linguagem de José Cândido, em duas palavras, faz uso de sufixos para potencializar a expressividade de suas observações sobre o recurso do autor: boniteza e encartadinho. É brilhante a forma como ela se expressa ao dizer encartadinho, ao invés de dizer “muito bem encartado”, do mesmo modo que pertinho significa “muito perto”.

Expressividade do texto

A oralidade possui diferentes recursos para expressar uma idéia que vai além das formas gramaticais. Quando o enunciatário transmite sua mensagem de forma oral, utiliza palavras escolhidas na memória presente e as organiza para dar maior expressividade ao tema enunciado. Flexível, a função oral permite inserir no discurso alguns artifícios que propiciam a boa comunicação, ou seja, recursos como o olhar, o tom de voz, os gestos, as pausas, a entonação.

Já a comunicação escrita é mais limitada, sem poder recorrer a esses recursos expressivos corporais. Para que a narrativa seja mais apropriada ao sentido do enredo e mais bem comunicada, a escrita se vale de outros recursos mais adequados aos símbolos lingüísticos, já que não pode amparar-se nos recursos da fala. Como contribuição para a boa organização das frases, dos períodos, das idéias enfim, entram em cena componentes muito especiais: os sinais de pontuação, que determinam a expressividade do texto.

Celso Pedro Luft, em A vírgula – considerações sobre o seu ensino e o seu emprego –, assim fala sobre a pontuação da língua portuguesa: “A nossa língua portuguesa – a pontuação em língua portuguesa – obedece a critérios sintáticos e não prosódicos. Sempre é importante lembrar isso a todos aqueles que escrevem para que se previnam de bisonhas vírgulas de ouvidos. Essa ligação entre pausa e vírgula deve ser a responsável pela maioria dos erros de pontuação. E penso que está na hora de desligar as duas coisas. No entanto, mesmo em gramáticas recentes, e de autores bem conceituados, persiste a ilusão. Quantas vezes fazemos pausa entre sujeito e verbo, entre verbo e complemento. E no entanto é elementar que nessas estruturas não cabe vírgula. Por quê? Porque a nossa virgulação é de base sintática, e não separa o que é sintaticamente ligado.”

Para enriquecer as qualidades do lobisomem, por exemplo, o narrador usa muito o recurso das vírgulas, para separa os apostos. Três trechos demonstram isso com clareza: “Adveio aquele figurão de cachorro, uma peça de vinte palmos de pêlo e raiva.”, “... quando, numa roça de mandioca, adveio aquele figurão de cachorro...”, e “O que o galhofista queria é que eu, coronel de ânimo desenfreado, fosse para o barro...”. Também, a função da vírgula no último período do texto “No alto da figueira estava, no alto da figueira fiquei.” serve para separar duas orações de estruturas semelhantes. Aliás, essa construção enfatiza a intenção de o coronel permanecer onde bem estava.

Outro exemplo do uso de pontuação expressiva no texto, demarcado pelo ponto de exclamação, está no trecho em que ele invoca os santos dos quais é devoto: “- São Jorge, Santo Onofre, São José!”.

Marcadores da narrativa e da oralidade

Há muito, muito mesmo de oralidade no texto. A bem da verdade ele é rico em recursos prosódicos, pois são bravatas, episódios bizarros, nos quais o coronel esteve envolvido, em franco desafio ao seu preparo militar. As referências que ele faz ao lobisomem, como “peste, penitente, sabidão, assombrado” são marcações claras da oralidade, no caso de quem conta uma história. Como se contasse uma anedota, ele não se preocupa em manter o paralelo dos codinomes; em um dado momento, ele trata a besta de pessoa, ao dizer “... uma súcia deles e não uma pessoa sozinha”.

As comparações também são características da oralidade e foram empregadas pelo autor para enriquecer as ilustrações das imagens que ele procura formar na cabeça do interlocutor. “Dei um pulo de cabrito”, uma forma descontraída de dizer que se desviou ou se distancio; “Era trabalho de gelar qualquer cristão”, como algo assustador; “Cheio de voltas e negaças”, no sentido de esquivar-se. “Deu ele de executar macaquices”, como mudança de hábito, em movimentos bruscos. E daí por diante.

O tempo é bem apropriado ao texto, com o objetivo de criar o clima de suspense. Diz a lenda que o lobisomem se transforma numa noite de lua cheia, na terça-feira ou na sexta-feira. Na instância da narrativa observamos uma clara indicação de tempo no início do trecho “Num repente, relembrei estar em noite de lobisomem – era sexta-feira”. Quanto ao espaço, a ambientação em cenário rural se revela adequada ao fato narrado: “Já um estirão era andado quando, numa roça de mandioca,...”. O que se percebe é que o coronel perseguiu o lobisomem por um bom tempo (“Já um estirão era andado...”), até encontrá-lo num ambiente campestre, longe da cidade. Em Goitacazes as narrativas da aparição do lobisomem sempre fizeram referências a uma região rural, afastada da cidade.

O narrador é o próprio personagem, que se defronta com o lobisomem e se apresenta no trecho “Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azevedo Furtado”. A apresentação é feita na terceira pessoa, porque há um claro interesse de autovaorização; o personagem apresenta-se dando o nome completo, o que demonstra ser pessoa de família importante (não se trata de qualquer cristão, é Ponciano de Azevedo Furtado). No início do livro, Ponciano deixa claro ter origem de família rica e importante: “Herdei do meu avô Simeão terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino.”.

Da instância lexical

Além do neologismo e da transformação de palavras, podemos destacar pelo menos quatro palavras no texto em que os sufixos funcionam para “uma complementação especial de sentido”: devocioneiro, brabento, galhofista e verdal, ambas com sufixos distintos entre si. Devocioneiro = devoto (o sufixo –eiro indica profissão, ofício, ocupação, como em barbeiro, carteiro, porteiro). Brabento = brabo (o sufixo –ento significa “provido ou cheio de”, como em ciumento, avarento, barulhento. Galhofista = galhofeiro, gozador, brincalhão (o sufixo –ista indica ocupação, ofício, prática, como em motorista, tenista, violonista). Verdal, cujo sinônimo mais próximo seria matagal (o sufixo –al indica quantidade, cultura de vegetais, como em areal, em bananal, em arrozal).

Do ponto de vista da transformação destacamos uma sutil e rica substituição do verbo cuidar, empregada na frase “... cuidou que o mato estivesse ardendo”. O sentido aqui empregado é o mesmo que empregou Camões no quarto verso da segunda estrofe do seu mais expressivo soneto sobre o Amor “É cuidar que se ganha em se perder”. Distante da compreensão denotativa para “atentar, preocupar-se, prestar atenção, tomar cuidado, vigiar”, cuidar foi empregado como verbo transitivo direto, no sentido de supor, julgar. É possível dizer que a escolha vocabular é um elemento de composição do personagem, pois mostra a formação e a origem dele (região do país, poder, autovalorização, humor, tendência ao exagero etc.).

Ainda sobre o artifício dos sentidos contrários, vemos no trecho “Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau” o uso adequado de palavras com mudança de significados, porém, próximas da idéia que se transmite. Especial, por exemplo, significa “característico, exclusivo, peculiar, particular, privado etc”. Nesse caso foi empregado como especialista, conhecedor, uma atribuição particular do estado de conhecimento do indivíduo. Como o radical é o mesmo, a idéia é transmitida e bem compreendida, embora a palavra empregada seja outra. Armadilha de pouco pau nos remete à idéia de dificuldade de baixa complexidade, ou seja, dificuldade fácil de contornar, de escapar. Por isso, por ser ele um especialista em assuntos de defesa (militar) não cairia na estratégia do lobisomem de o fazer pensar que a besta estava em bando, para intimidar o “valente” coronel.

Os recursos expressivos do texto

O autor usa de alguns recursos estilísticos expressivos para enriquecer a história de heroísmo do coronel. Ele faz uma apresentação hiperbólica do lobisomem, como se quisesse enaltecer as qualidades do adversário, para elevar a condição de superioridade de Ponciano diante dos campeiros. Ao introduzir o adversário, ele se refere a “... figurão de cachorro, uma peça de vinte palmos de pelo e raiva...”, “Ciscava o chão de soltar terra e macega no longo de dez braças ou mais.”, “Dos olhos do lobisomem pingava labareda...”, “Tanta chispa largava o penitente...”, “... queria que eu pensasse ser uma súcia deles...”. A intenção de Ponciano era fazer crer que estava diante de um animal contra o qual nenhum mortal teria coragem de levantar-se, do qual ele não temia. Mas seu medo fica evidente no seguinte trecho: “Já nessa altura eu tinha pegado a segurança de uma figueira”. Ele leva um susto de medo, mas diz “dei um pulo de cabrito”, para atenuar seu temor. E para dizer que isso não significava tanto, ressalva que “preparado estava para a guerra do lobisomem”. Todavia, “no alto da figueira estava, no alto da figueira fiquei.”.

Como recurso para não revelar esse sentimento inferior, apesar de apresentar o lobisomem como um ser aterrorizador, uma figura assustadora, ele se valoriza, diminui os atributos do animal, para engrandecer-se, e até cria uma intenção para o lobisomem em querer enredá-lo em uma armadilha: “O que o galhofista queria é que eu, coronel de ânimo desenfreado, fosse para o barro denegrir a farda e deslustrar a patente. Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau”. Essa seria uma justificativa para ele não descer do galho e enfrentar o animal.

Enfim, ao usar de variedades para chamar o lobisomem de “Figurão de cachorro” (da família de caninos), “a peste” (como aquilo que age para contaminar os outros), “o penitente” (que carrega maldição consigo, ou que penitencia), “o assombrado” (decorrente de uma maldição), “o galhofista” (que é dado a brincadeiras e zombetearias), o narrador procura produzir no texto o efeito de mostrar ao interlocutor as muitas facetas do animal, detalhes assustadores e surpreendentes, além de emprestar ao caso um sabor especial.

Conclusão do ponto de vista estilístico.

O texto fala do encontro do coronel com um lobisomem. O narrador é o próprio coronel, que ao falar de si mesmo, introduz seu nome completo. Ao usar a terceira pessoa em lugar da primeira ressalta não sua pessoa, mas a personagem que encarna o coronel valente, que enfrentaria uma fera, cuja guerra não seria para qualquer cristão, mas, sim, para Ponciano de Azevedo Furtado.

O léxico é bem planejado e se posiciona em dois eixos: o da Hipérbole (com relação ao animal) e o do eufemismo (com relação ao coronel). O narrador exagera os atributos do animal que enfrentaria. Expressões como “... figurão de cachorro, uma peça de vinte palmos de pelo e raiva...”, “Ciscava o chão de soltar terra e macega no longo de dez braças ou mais.”, “Dos olhos do lobisomem pingava labareda...”, “Tanta chispa largava o penitente...”, “... queria que eu pensasse ser uma súcia deles...” enfatizavam a dimensão de perigo que oferecia seu oponente, de quem ele dizia não ter medo, porém, sua fuga era uma estratégia de preparo militar.

Sua condição, porém, é tratada de forma diferente. Usa um conjunto de eufemismo ao falar de sua atitude diante do animal, para emprestar ao caso um sabor especial de coragem e valentia. Ele se assusta, mas diz que foi um reflexo de “um pulo de cabrito”. Procura não demonstrar medo, mas “Por descargo de consciência, do que nem carecia, chamei os santos de que sou devocioneiro”. Ao ver os artifícios do lobisomem, ele sobe em uma figueira e lá no alto fica, com a intenção de não sair.

Outro recurso sintático empregado para dar expressividade ao texto é a vírgula. Bem colocada, a vírgula tem o papel de enriquecer as qualidades do lobisomem, principalmente por meio da separação do aposto. Sem falar no exemplo do uso de pontuação expressiva no texto (demarcado pelo ponto de exclamação), contido no trecho em que ele invoca os santos dos quais é devoto: “- São Jorge, Santo Onofre, São José!”.

José Candido de Carvalho usa uma linguagem corrente, agradável e de fácil assimilação. Os verbetes empregados são de origembastante popular, com algumas alterações na forma natural, provocadas pelo emprego de sufixos e prefixos, que funcionam como “uma complementação especial de sentido”. Isso reforça a condição do emprego de neologismo ao longo de todo o texto. Segundo Raquel de Queiroz, o resultado desse trabalho com a linguagem é muito bom, a tal ponto que ficamos pensando “por que é que já não se dizia aquilo assim, antes”.

fonte: http://www.mundocultural.com.br/

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