terça-feira, 6 de julho de 2010




Poderosos e torturadores

Pio Penna Filho*

A tortura é um crime hediondo. Essa parece ser uma assertiva que, infelizmente, não encontra amparo na conduta humana desde tempos muito antigos. Algumas décadas atrás vários países da América Latina, geralmente governados por regimes militares, eram severa (e justamente) acusados e condenados pelas grandes e “civilizadas” democracias do mundo ocidental como violadores dos direitos humanos. Mas, como a roda da História não para de girar, agora é a vez da acusação se voltar contra as poderosas e tradicionais potências que se sucederam como “donas” do mundo nos últimos dois séculos: Inglaterra e Estados Unidos.
Sobre a atuação ilegal e violenta dos Estados Unidos em várias partes do mundo há provas de sobra. Não bastasse a infâmia da existência da prisão de Guantánamo, frequentemente surgem novas denúncias de violações cometidas por militares, mercenários e agentes públicos a serviço do governo dos Estados Unidos ao redor do planeta. Crimes que incluem seqüestro, rapto, tortura, assassinatos... crimes hediondos e tolerados pela grande democracia norte-americana, uma vez que são cometidos em nome da Segurança Nacional (exatamente como agiam as ditaduras do Cone Sul, por exemplo).
Isso acontece não só em áreas de conflito, como no Iraque e no Afeganistão, embora lá a violação aos direitos humanos tenha se tornado uma atividade corriqueira e sempre acobertada pelo Estado. Aliás, o mesmo Estado que há poucas décadas atrás era um paladino na defesa dos direitos humanos e na acusação permanente contra a atuação dos ditadores que governavam as “republiquetas” do Terceiro Mundo.
A Inglaterra é outro Estado que se considera “civilizado” e governado por leis e instituições que visam, em última instância, a harmonia social, a justiça e a liberdade. O interessante é que esse pensamento é válido quase que apenas para os cidadãos britânicos no espaço do Reino Unido.
A atuação do Estado britânico em outras partes do mundo acaba seguindo outra lógica. A “pérfida Albion”, como era conhecida a Inglaterra nos tempos áureos do imperialismo do final do século XIX, parece ter retomado seu ímpeto agressivo, agora na posição de coadjuvante dos Estados Unidos. Com eles, os britânicos estão metidos no Iraque e no Afeganistão e, como eles, são acusados de continuamente desrespeitar os direitos humanos.
Assim como fez o presidente Obama ao assumir o poder, o primeiro ministro britânico, David Cameron, anunciou a abertura de um inquérito para investigar alguns dos crimes cometidos por oficiais britânicos no Paquistão, no Marrocos e em outros países. Em entrevista, Cameron disse que o inquérito deve ser iniciado no final do ano e promete apresentar um relatório em um ano! Eficiência britânica. E mais: autoridades britânicas já negaram as acusações e afirmaram que não “encorajam a tortura”. Ora, como isso resolvesse de pronto a situação. Nenhum governo, nem mesmo uma ditadura, assume publicamente o encorajamento ou a prática da tortura. O padrão é esse mesmo: negar, sempre negar.
A Inglaterra segue um alinhamento quase automático com os Estados Unidos em termos de política internacional. Infelizmente, esse alinhamento está também associado às brutais políticas repressivas norte-americanas contra populações insurgentes e que não aceitam os ditames de Washington. Já passou da hora do Tribunal Penal Internacional tomar iniciativas em nome dos direitos humanos também contra os ricos e poderosos.





Pio Penna Filho

* Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário