sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Músicas interessantes para se abordar os processos migratórios principalmente da região Nordeste para a região Sudeste do Brasil no decorrer da segunda metade do século XX.


Músicas/intérpretes sugeridos:

1) "Peguei um Ita no Norte", de Dorival Caymmi - ano da composição: 1945. Dorival Caymmi, disco Caymmi inédito, Odebrecht-Universal.

2) "Sina de caboclo", de João do Vale e J.B. de Aquino - ano da composição: 1964. Nara Leão, disco Opinião de Nara, Philips.

3) "Borandá", de Edu Lobo - ano da composição: 1964. Edu Lobo, Philips.

4) "Chegança", de Edu Lobo - ano da composição: 1964. Edu Lobo, Philips.

5) "Pau-de-arara", de Vinícius de Morais e Carlos Lyra - ano da composição: 1964. Ari Toledo, disco Ari Toledo.Beverly-Copacabana.

6) "Filho da roça", de Zé do Rancho - ano da composição: 1974. Zé Tapera e Teodoro. BMG.

7) "Chopis centis", de Dinho e Júlio Rasec - ano da composição: 1995. Mamonas Assassinas. Disco Mamonas Assassinas, EMI.

8) "Jumento Celestino", de Bento Hinoto e Dinho - ano de composição: 1995 (idem ao anterior)

9) "Assentamento", de Chico Buarque - ano de composição: 1998. Chico Buarque, disco As cidades, BMG.
Na relação acima, as canções reúnem-se num mesmo conjunto, a partir de nossa observação da mensagem que seus textos verbais carregam: quase todos eles de um modo ou de outro, relatam algo dos povos que migram do Nordeste, onde as condições de sobrevivência são difíceis, para grandes cidades localizadas no Sudeste brasileiro e com o processo envolvido em tal deslocamento. Por meio deles o professor encontrará um panorama de como essa questão desenvolveu-se no Brasil, principalmente no decorrer da segunda metade do século XX. As datas em que tais composições foram feitas permitirá que se faça um estudo mais minucioso de cada período histórico: são canções que refletem uma realidade do momento em que foram compostas.
A primeira delas, de Caymmi, é de 1945 e já demonstra que a migração do Norte para o Sul do país era um fato concreto na década de 1940, porém sem ainda ter, como consequência, o inchaço urbano, as taxas de desemprego, etc. em níveis muito alarmantes. Seu primeiro verso declara: "Peguei um Ita no Norte, e vim pro Rio morar. Adeus, meu pai, minha mãe, além Belém do Pará". O referencial às cidades é explicito, mas denota que o migrante ainda é jovem que abandona o pai e a mãe em busca de um progresso na vida, aventurando-se por meio da migração. O restante da letra comenta o retorno do suposto jovem, sua moral, etc.
Peguei Um Ita No Norte
Nana Caymmi(Dorival Caymmi)
Ai, ai, ai, ai
Adeus, Belém de Pará
Peguei um Ita no norte
Peguei um Ita lá no norte
Pra vim pro Rio morar
Adeus,meu pai, minha mãe
Adeus, Belém do Pará
Ai, ai, ai, aiAdeus, Belém de Pará
Ai, ai, ai, aiAdeus, Belém de Pará
Vendi meus troço que eu tnha
O resto eu dei pra guardá
Talvez eu volte pro ano
Talvez eu fique por lá
Mamãe me deu conselhos
Na hora de eu embarcar
Meu filho ande direito
Que é pra Deus lhe ajudar
Tô há bem tempo no Rio
Nunca mas voltei por lá
Pro mês intera dez anos
Adeus, Belém de Pará
A segunda canção é de 1964, entre seus versos afirma: "Se assim continuá, vou deixá o meu sertão, mesmo os olhos cheio d'água e com dor no coração, vou pro Rio carregá massa pros pedreiro em construção", ou seja, quase vinte anos após a data da composição da canção anterior, mostra que a possibilidade migratória para a cidade grande ainda é vista como uma solução para o trabalho, porém, nesse segundo caso, a situação é mais dramática, pois não é o jovem quem pretende migrar, mas o trabalhor já estabelecido em algum lugar do sertão, que vê, em sua ida pra a grande cidade, um modo de escapar da exploração que sofre (outros versos enfatizam esse ponto de vista).
Sina do caboclo
João do Vale

Mas plantar prá dividir
Não faço mais isso, não.
Eu sou um pobre caboclo,
Ganho a vida na enxada.
O que eu colho é dividido
Com quem não planta nada.
Se assim continuar
vou deixar o meu sertão,
mesmos os olhos cheios d'água e com dor no coração.
Vou pró Rio carregar massas
prós pedreiros em construção.
Deus até está ajudando : está chovendo no sertão !
Mas plantar ...
Quer ver eu bater enxada no chão, com força, coragem , com satisfação ?
e só me dar terra prá ver como é : eu planto feijão, arroz e café ;
vai ser bom prá mim e bom pró doutor.
eu mando feijão, ele manda tractor .
vocês vai ver o que é produção !
modéstia á parte, eu bato no peito : eu sou bom lavrador !
Mas plantar ...
Também de 1964 são as duas músicas de Edu Lobo. Em "Borandá", existe a constatação da terra esgotada, que não produz mais, principalmente em razão da seca, que obriga o trabalhador a partir do lugar onde estava fixo, em busca de melhor sorte em outro lugar. Porém, desta feita, ele não migra sozinho, leva mais pessoas (possivelmente sua família com ele). O título da música é um apelo para a mudança: a palavra "Borandá" nada mais é que a união da conjunção "embora" com o verbo "andar"; é como se o pai de uma família dissesse a ela: "Vamos embora andar, pois a terra já secou".
Borandá
Tamba Trio
Vam'borandá que a terra já secou, borandá
É borandá, que a chuva não chegou, borandá
Já fiz mais de mil promessas
Rezei tanta o......ração
Deve ser que eu rezo bai...xo
Pois meu Deus não ouve não
Deve ser que eu rezo baixo
Pois meu Deus não ouve não
Vou-me embora vou chorando
Vou me lembrando do meu lugar
É borandá, que a terra já secou, borandá
É borandá, que a chuva não chegou, borandá
Quanto mais eu vou pra lon...ge
Mais eu penso sem parar
Que é melhor partir lembran...do
Que ver tudo piorar
Que é melhor partir lembrando
Que ver tudo piorar
No caso de "Chegança", encontramos a outra ponta do processo migratório, ou seja, se em "Borandá" falava-se da partida, nesta se fala da chegada do trabalhador com sua mulher em algum outro lugar e da constituição de uma família com muitos filhos. Porém há uma constatação cruel da realidade: a necessidade da mudança constante, sem poder fixar-se em lugar algum, pois, durante toda sua vida, esse trabalhador estará sempre chegando, sem parar. Edu Lobo, diferentemente dos compositores das canções anteriores, não determina em nenhuma de suas canções, o lugar exato de onde as pessoas partem, ou chegam, apenas concentra atenções no processo migratório, ou seja, pode estar referindo-se a uma migração pelo sertão, por áreas da região Nordeste, por exemplo, ou então a uma migração entre pontos mais distantes, como aquela verificada na música de Caymmi.
Chegança
Edu Lobo

Estamos chegando daqui e dali
de todo lugar que se tem pra partir
Estamos chegando daqui e dali
de todo lugar que se tem pra partir
Trazendo na chegança
Foice velha, mulher nova
uma quadra de esperança
uma quadra de esperança
Ah, se viver fosse chegar
Ah, se viver fosse chegar
Chegar sem parar, parar pra casar
Casar e os filhos espalhar
Por um mundo num tal de rodar
Por um mundo num tal de roda
"Pau-de-arara" é uma canção que poderia ser analisada de muitotos pontos de vista. Possui um a letra constituída de vários duplos sentidos em seus versos e, nesse aspecto, reside em sua mensagem certa ironia perante a situação trágica de um homem, que sai do Ceará e migra para a cidade do Rio de Janeiro, pensando, depois em retornar por não conseguir melhorar de vida. Tanto em sua terra natal, quanto na praia de Copacabana, passa fome, mas ao menos no Ceará ele é alguém, sendo que no Rio é ignorado, obscuro, atrá do apelido de "Zé-com-fome", que os habitantes lhe deram.
Comedor de Gilete (pau-de-arara)
Carlos Lyra
(Cantado) Eu um dia cansado que tava da fome que eu tinha
Eu não tinha nada que fome que eu tinha
Que seca danada no meu Ceará
Eu peguei e juntei um restinho
De coisas que eu tinha
Duas calça velha e uma violinha
E num pau-de-arara toquei para cá
E de noite eu ficava na praia de Copacabana
Zanzando na praia de Copacabana
Cantando o xaxado pras moças olharVirgem Santa!
Que a fome era tanta
Que nem voz eu tinha
Meu Deus quanta moça, que fome que eu tinha...
Zanzando na praia pra lá e pra cá
(Recitado) Foi aí então que eu arresolvi a comer gilete...
Tinha um cumpadre meu lá de Quixeramubim
que ganhou um dinheirão comendo gilete na praia de Copacabana.
Eu não sei não, mas eu acho que ele comeu tanta, mas tanta, que quando eu cheguei lá aquela gente toda já estava até com indigestão de tanto ver o cabra comer gilete. Uma vez eu disse assim prum moço que vinha passando: Ô decente, vosmecê não deixa eu comer uma giletezinha pra vosmecê ver?"Tu não te manca não, ô Pau-de-Arara?"
"Só uma, que eu ainda não comi nadinha hoje."
"Você enche, ein?"
Aquilo me deixou tão aperreado que se não fosse o amor que eu tinha na minha violinha, eu tinha rebentado ela na cabeça daquele...filho de uma égua!
(Cantado) Puxa vida, não tinha uma vida pior do que a minha
Que vida danada que fome que eu tinha
Mais fome que eu tinha no meu Ceará
Quando eu via toda aquela gente num come-que-come
Eu juro que tinha saudade da fome
Da fome que eu tinha no meu Ceará
E aí eu pegava e cantava e dançava o xaxado
E só conseguia porque no xaxado
A gente só pode mesmo se arrastarVirgem Santa!
A fome era tanta que mais pareciaQue mesmo xaxando meu corpo subia
Igual se tivesse querendo voar
(Recitado) Às vezes a fome era tanta que volta e meia a gente arrumava uma briguinha pra ver se pegava a bóia lá do xadrez. Êta quentinho bom no estômago! Com perdão da palavra, a gente devolvia tudo depois, que a bóia já vinha estragada. Mas enquanto ela ficava quietinha lá dentro, que felicidade! Não, mas agora as coisas tão melhorando. Tem uma dona lá no Lebron que gosta muito de ver é eu comer caco de ?vrídrio?. Com isso eu já juntei uns quinhentos merréis. Quando juntar um pouco mais, vou-me embora, volto pro meu Ceará!
(Cantando) Vou voltar para o meu Ceará
Porque lá tenho nomeAqui não sou nada, sou só Zé-com-fome
Sou só Pau-de-Arara, nem sei mais cantar
Vou picar minha mulaVou antes que tudo rebente
Porque tô achando que o tempo tá quente
Pior do que anda não pode ficar!
A canção "Jumento celestino" também trata do assunto parecido, porém mais de trinta anos após "pau-de-arara" ter sido composta. Nessa composição mais recente, também encontramos a ironia perante a situação trágica, mas o migrante sai da Bahia e vai para a cidade de São Paulo. Depois, retorna para sua terra de origem, mas, desta vez, leva consigo o apelido que lhe deram na capital: "cabeção". Portanto, as duas composições são úteis para mostrar, ao longo de três décadas, o destino infeliz de muitos migrantes que saíram do Nordeste rumo às grandes cidades do Sudeste, onde não conseguiram trabalho, passaram fome e sofreram o preconceito pela sua origem.
As diferenças entre os migrantes bem e mal-sucedidos estão presentes nas canções mais recentes. Algumas letras mostram o retorno do homem do sertão, do Nordeste, para seu local de origem, arrependido por ter ido para a cidade grande da região Sudeste. Outras apresentam o oposto, ou seja, o mmigrante que conseguiu se instalar e viver melhor numa metrópele do que vivia no local onde nasceu e/ou cresceu.
Jumento Celestino
Mamonas Assassinas

Tava ruim lá na Bahia, profissão de bóia-fria,
trabalhando noite e dia, não era isso que eu queria,
eu vim-me embora pra São Paulo.
Eu vim no lombo dum jumento,
com pouco conhecimento
enfrentando chuva e vento,
dando uns peido fedorento,
até na bunda fez um calo
Chegando na capital, uns puta predião legal.
As mina pagando um pau,
mas meu jumento tava mal
precisando reformar
Fiz a pintura, importei quatro ferradura,
troquei até dentadura e pra completar a belezura
eu instalei um roadstar!
Descendo com o jumento na maior vula
ultrapassei farol vermelhodei de frente com uma mula
Saí avuando, parecia um foguete só não estourei meu coco pois tava de capacete
Me alevantei o dono da mula gritando
o povo em volta tudo olhando e ninguém pra me socorrer
Fugi mancando e a multidão se amontoando em coro tudo gritando:Baiano, cê vai morrer!
Depois desse sofrimento, a maior desilusão
pra aumentar meu lamentofoi se embora meu jumento e me deixou as prestação
Hoje eu tô arrependido de ter feito imigração volto pra casa fudido, com um monte de apelido
O mais bonito é cabeção!
Em "Filho da roça", temos os versos: "Eu sou da roça e quero bem o meu povo, quando deixar meu São Paulo, volto pra roça de novo". Esse tema da volta pra "roça", para o "sertão", para o "interior" etc., está presente em diversas composições cantadas por duplas sertanejas, como é o caso dos intérpretes dessa canção. "Filho da roça" é uma música que retrata melhor a migração interna da refião Sudeste do que propriamente entre as regiões Norte ou Nordeste e Sudeste. O gênero musical deixa isso mais claro: enquanto "Pau de arara" e "Jumento Celestino", por exemplo, mantêm características do baião, típica música nordestina, "Filho da roça" aproxima -se da toada ligeira que encontramos nos interiores paulista e mineiro - ou até mesmo em algumas regiões do Sul do país.
Na canção "Chopis centis"encontramos a imagem do migrante que se adaptou à grande cidade: poderíamos ver, na mensagem da canção, tanto um jovem recém-chegado à metrópole e contente com suas melhores condições, quanto o jovem filho de um antigo migrante que foi para a cidade grande e nela se fixou e progrediu. Seja o próprio jovem migrante, seja seu pai, fato é qu, nessa canção não se cogita o retorno. A letra não deixa explícito que se trata de um jovem ligado ao processo de mudança de alguma outra região e com condição para a vida urbana, porém há fortes indícios que apontam para isso, como o sotaque com o qual a canção é interpretada, a pronúncia diferenciada de certas palavras, a surpresa com as novidades (postura fora dos padrões perante à vivência de novas situações) e, principalmente, alguns versos que aproximam as condições de vida e os hábitos desse jovem aos de milhares de outros migrantes que vivem em São Paulo, no Rio de Janeiro etc. : "quando eu estou no trabalho,não vejo a hora de descer dos andaimes pra pegar um cinema com o Schwarzenegger e também o Van Damme" e "a minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia".
Chopis Centis
Mamonas Assasinas
Dinho / Júlio Rasec

Eu dí um beju nela...
e chamei pra passear...
A gente fomos no shopping,
pra mode a gente lanchá...
Comi uns bicho estranho,
com um tal de gergelim.
Até que tava gostchoso,
mas eu prefiro aipim.
(Refrão)Quantcha gente, e,
uantcha alegria (he, he, he),
As minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia.
Quanta gente (oba),
Quantcha alegria (he, he, he),
As minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia.
Pra ribaa! (he, he)...
Joinha, joinha, chupetão
Vamo lá...chuchuzinho, vam'bora
Onde é que entra, hein? (hu, hu, ha, ha)
Esse tal Chopis Centis...
é muitcho legalzinho,
Pra levar as namorada (smack, smack...vem cá vem)
e dá uns rolêzinho.
Quando eu estou no trabalho,
Não vejo a hora de descer dos andaime (na, na, namm)
Prá pegar um cinema ver o "xuasineguer",
Tombém o Van "Diaime" (na, na, nam...na, na, namm)
(Refrão)Quantcha gente, (sai daí!)
Quantcha alegria, (he, he, he)
A minha felicidade
é um crediário nas Casas Bahia.
bem forte...bem forte...
Quanta gente,
Quantcha alegria (obaa),
As minha felicidade
é um crediário nas Casas Bahia.
(nhamm...hum, nhaoo)
Fonte: FERREIRA, Martins. Como usar a música na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. 5ª edição. p. 48-54)

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